D’alma das Águas
- Sílvio Feitosa

- 29 de nov.
- 2 min de leitura

A exposição “D’alma das Águas”, em cartaz no SESC Cabo Branco, convida o público a submergir no universo pictórico de Cristina Strapação, artista cuja trajetória se afirma pela capacidade de traduzir, com rara precisão, as paisagens marinhas do litoral paraibano.

A pintora trabalha um hiper-realismo que não se limita ao virtuosismo técnico: há, em suas telas, uma transparência da luz e uma respiração cromática que suspendem o tempo sem anular o movimento. Ondas prestes a quebrar, espumas que se desfazem em brumas salinas, reflexos que vibram — tudo conduz o observador à sensação de estar diante do instante anterior ao impacto das águas nas areias mornas do Seixas.
O verde-esmeralda característico do nosso litoral, tantas vezes cantado em verso e prosa — aquele “verde que chega a doer” — reaparece nas marinas de Cristina como elemento sensorial e afetivo. É um convite à memória coletiva da maresia, ao prazer íntimo de reconhecer o território pela cor.

A precisão de suas pinceladas sugere quase uma tecnologia incorporada à mão: como se, na extremidade dos pincéis, houvesse uma impressora de alta definição guiada por um software calibrado pela própria artista — um banco de imagens interno, formado por anos de observação rigorosa e sensibilidade aos detalhes. A luz, sempre protagonista, explode em tons vibrantes e marca a identidade solar dos dias nordestinos. A profundidade construída pela perspectiva cria uma imersão visual que obriga o espectador a se aproximar para distinguir as ranhuras da pintura — um jogo entre ilusão e matéria.

Mas o impacto da obra não se encerra na contemplação estética. As telas funcionam também como alerta ambiental. O ponto mais oriental das Américas sofre, há décadas, com desmatamentos, ocupações irregulares, pressões imobiliárias e poluição oceânica. Cristina não ilustra apenas a beleza: ela lembra o que estamos prestes a perder. A crise climática e seus efeitos — já mensuráveis na elevação das temperaturas, na erosão costeira e na degradação da vida marinha — atravessam silenciosamente sua poética, pedindo posicionamento e ação do público.

A ambientação da mostra merece destaque: a curadoria de Bené Fonteles cria um ambiente imersivo, quase subaquático, onde luz, espaço e montagem dialogam com a organicidade das telas. No vernissage, estiveram presentes nomes centrais da cena artística pessoense, como Flávio Tavares, Clóvis Júnior, Wilson Figueiredo, Hector Medina, Célia Gondim, Ilson Moraes, Socorro Sobreira, Rodrigues Lima, Jeorge Paiva, Valéria Antunes e Lú Maia, entre outros. Curadores, críticos e jornalistas também marcaram presença, reforçando a relevância da mostra no calendário cultural paraibano.
Todos os presentes foram presenteados com um belíssimo livro fotográfico, autografados, contendo as obras da artista.
“D’alma das Águas” permanece aberta à visitação durante todo o mês de dezembro e se firma como uma parada incontornável para quem deseja vivenciar arte de alta potência sensível — e refletir sobre o destino de nosso litoral.
Artista: Cristina Strapação
Curadoria: Bené Fonteles
Realização: SESC, Fecomércio, Senac
Local: SESC Cabo Branco — João Pessoa (PB)
Data: 27/11/2025
Sílvio Feitosa
Para o P-Arte — Arte paraibana em foco



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