Sargaços
- Sílvio Feitosa

- 25 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: 26 de out.

o mar, a memória e o clamor da natureza
Por Sílvio Feitosa
Exposição: Sargaços Artista: Rosilda Sá Curadoria: Amanda Tavares Local: Galeria de Arte Archidy Picado – Espaço Cultural José Lins do Rego Visitação: até 14 de novembro
Como se expressar diante das agressões cometidas contra o santuário da própria existência? Rosilda Sá encontrou, em sua arte, a forma mais sensível e contundente de responder a essa pergunta. Pessoense, habituada desde a infância às águas do ponto mais oriental das Américas, ela se apresenta agora na exposição “Sargaços”, instalada na Galeria Archidy Picado, em João Pessoa, e nos convida a mergulhar nas profundezas simbólicas do mar e da memória.

Logo na entrada, a artista evoca sua ancestralidade. Um delicado rendado em padrão de bordado holandês — criação de sua avó, também chamada Rosilda — é apresentado ao lado da instalação “Dinda”. A obra, composta por uma antiga caixa de costura, linhas e carretéis, estabelece um elo poético entre o passado e o presente, costurando afetos e lembranças.

Nas obras “Rhodophyta flutuante”, da Série Algas, Rosilda utiliza sacos de lixo azuis como suporte para delicados bordados que representam o sargaço, planta marinha comum em nosso litoral. O contraste entre o azul do plástico e o colorido das linhas, contas e fitas cria uma explosão visual de mistério e beleza. A artista ressignifica um elemento muitas vezes visto como incômodo ou descartável — o sargaço — transformando-o em poesia visual, símbolo de resistência e renovação.

Em “Origem”, Rosilda retrabalha fotografias antigas de brincadeiras infantis na praia. Os pontos do bordado ligam a figura central a linhas coloridas que atravessam o preto e branco das imagens, criando pontes entre tempos e afetos.
Outra obra que chama atenção é a escult
ura totêmica composta por roletes de madeira. Nua e vertical, ela se ergue como uma coluna vertebral imaginária — um ser que luta para se manter em pé, símbolo da resistência da própria natureza.

Na instalação “Sargaço”, a artista utiliza materiais têxteis — nós, cordas, pompons de fitas, fios de cobre, missangas de terracota e plástico — para construir formas que remetem à vida orgânica marinha. As tramas e contornos evocam os resíduos vivos que se desprendem dos corais e flutuam nas praias, transformando-se em alimento e abrigo para a fauna oceânica.

Já em “Orla”, Rosilda cria uma maquete de uma metrópole imaginária a partir de móveis antigos, esculturas em argila, objetos de terracota e bordados em algodão e seda, novamente sobre o fundo azul simbólico dos sacos plásticos. O azul torna-se, aqui, o elo entre céu e mar, real e imaginário.

Em “Puffer Fish”, uma série de pequenos objetos têxteis tomam forma de peixes infláveis e outros seres marinhos, feitos de tecidos de variadas texturas. A obra exala delicadeza e alerta: somos todos responsáveis por preservar essa fauna ameaçada.

Por fim, “O Balanço do Mar”, talvez o trabalho mais emblemático da mostra, apresenta uma grande rede revestida de sacos azuis — referência direta às águas marinhas — que se derrama sobre uma praia contaminada por microplásticos. A instalação denuncia a ação destrutiva do homem sobre o ambiente e convida à reflexão sobre o destino comum da vida terrestre.
“Sargaços” é, acima de tudo, uma evocação. Um clamor da natureza diante das injúrias acometidas pelo consumismo e ganância humana. Rosilda Sá transforma o lamento do mar em arte, costurando esperança entre fios, resíduos e memórias.
Visite a exposição e mergulhe nesse canto profundo da arte e da consciência.





Comentários