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INQUIETUDE E RESPONSABILIDADE SOCIAL TRANSFORMADA EM ARTE

Atualizado: 1 de mai. de 2020


Foto: George Paiva
Ilson Moraes, professor, artista das artes visuais, residente em João Pessoa

Uma visão diferenciada sobre arte



Artista irrequieto, preocupado com as causas sociais e um estilo próprio de encarar a vida, repassa seus conhecimentos aos alunos que desejam enveredar pelo mundo das artes visuais.


Ilson Moraes (Ilson Roberto Moraes Saraiva) é natural de Pelotas, Rio Grande do Sul (1967). Nasceu em meio a uma família que fazia e consumia artes. Hoje com 52 anos, Ilson Moraes reside em João Pessoa PB, no bairro dos bancários onde mantém um ateliê e ministra aulas de artes visuais, além de ensinar artes na rede municipal. O artista é graduado em artes pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde cursa atualmente mestrado em Ciência das Religiões.



Foto: Silvio Feitosa
Técnica: Madeira, terracota; Título: Claustro I; Dimensão: 200X60X60 cm; Ano: 2016.

P´Arte – Quais foram as suas primeiras influências no mundo artístico?


Ilson Moraes - São Muitas, venho de uma família onde meu avô fazia esculturas, não profissionalmente, mas como passatempo; meu tio pintava, e isso me influenciou muito no início.


P´Arte – Qual momento em sua vida, você despertou para o mundo artístico?


Ilson Moraes - Todas as pessoas que passaram por minha vida, meu avô, minha mãe tiveram grandes influências na minha decisão de ser um artista. Na verdade, eles não só faziam e consumiam artes, eles sempre mostravam o porquê disso. Quando íamos ao teatro, minha mãe sempre explicava o que estava acontecendo; em visitas às galeria, ela procurava esclarecer as dúvidas, com isso, eu fui me acostumando com o universo da arte. Para mim, isso era muito natural, reconhecer o que era e o que não era arte.


P´Arte – Como se deu seu aprimoramento nas artes visuais?


Ilson Moraes - Eu comecei no mundo das artes como autodidata. Mesmo sabendo que nós nunca somos totalmente autodidatas, uma vez que vamos, ao longo do tempo, pesquisando outros artistas, e, com base nessas informações, vamos entendendo como o nosso trabalho está sendo desenvolvido. No início foi por iniciativa própria, fui fazendo pesquisas no mundo das artes. Logo após, comecei a fazer cursos com os melhores artistas da minha região, em uma galeria aonde eu trabalhava, e isso abriu possibilidades, um vasto leque de conhecimento sobre as artes, tanto na gravura, como no desenho, pintura, escultura. Isso foi muito enriquecedor para mim. Depois eu busquei a universidade, porque passei a trabalhar dentro da área, como professor, e teria que conseguir um diploma, que seria a comprovação que eu era realmente um artista e estava habilitado para exercer a profissão de educador de arte. Por esse motivo, fiz um curso universitário.



Foto: Silvio Feitosa
Técnica: Óleo sobre tela; Título: sem título; Dimensão: 60X50 cm; Ano: 2007

P´Arte – Você elegeria algum momento importante para o desenvolvimento de sua carreira?


Ilson Moraes - Não houve um único momento, foram vários. O primeiro foi: eu era muito tímido, minha professora viu meus desenhos, que, segundo ela, eram muito bons, por isso ela resolveu fazer uma exposição na escola, com isso, eu ganhei uma bolsa para estudar arte. O outro foi quando eu participei de uma exposição com grandes artistas, os trabalhos mais premiados e elogiados foram os meus. Para mim, isso foi muito interessante, pois estava entrando no mundo da arte, sem ter um reconhecimento prévio. Nesse primeiro momento o meu trabalho foi reconhecido diante de tantos outros que já tinham tempos de estrada, isso foi muito importante para mim.


P´Arte – O que fez você sair de Pelotas, ganhar o mundo, até chegar à Paraíba?


Ilson Moraes - No Rio de Janeiro eu expus em diversas galerias, entre elas o SESC Copacabana, onde o meu trabalho obteve grande receptividade do público. Na verdade o fator violência foi determinante para eu não ficar no Rio, que na época já era violenta. Foi ai que vim à João Pessoa, naquele momento, no final dos anos noventa, a Paraíba já era um celeiro de arte muito forte, se ouvia MPB na lagoa, o Espaço Cultural funcionava promovendo artes. Para mim era uma coisa muito mágica e eu acreditava que essa cidade tinha um futuro no mundo artístico, isso me motivou, além do aspecto da natureza e todo encantamento, não só ligado à arte.



Foto: Silvio Feitosa
Técnica: Acrílica sobre tela; Título: sem título; Dimensão: 130X80 cm; Ano: 2012.

P´Arte – Você transita em vários estilos de arte, você se considera um artista eclético, como você define sua arte?


Ilson Moraes - Eu não diria que seja eclético, no sentido de ter estilos diversos, mas, eu trabalho com materiais diferentes. A minha leitura é sempre a mesma, eu sempre tenho uma única conotação, como acho que todo artista deveria ter. Ter um foco, uma percepção para determinada coisa. Então, o meu estilo não muda, o que muda são os materiais que trabalho e de como eu estou trabalhando em cima desses materiais, respeitando-o e tendo condição de modificá-lo. A ideia central de meu trabalho, que é falar sobre o ser humano, sobre suas angústias, sobre as questões sociais em que o ser humano está inserido, as questões sociológicas são muito forte em mim, eu não consigo me desvincular disso, por mais que tente, eu não consigo ser romântico, não consigo fugir disso, esse sou eu, eu não fujo dessa minha realidade, dessa minha maneira de ser.


P´Arte – O seu trabalho desperta nas pessoas o interesse pela arte. Você como professor de arte, o que você busca trazer para os alunos, para que elas possam entender a arte?


Ilson Moraes - O primeiro passo é fazer as pessoas entender o que arte. O entendimento da arte no que é mais profundo. Quando não se entende a lógica do trabalho, é comum as pessoas fazerem qualquer coisa e pensar que é arte. Acho que isso não ocorre só nas artes visuais, mas também em outras manifestações artísticas, você publica um trabalho e acha que é uma maravilha. Acredito que devemos ter um senso crítico, questionar o trabalho que se está executando, questionar o trabalho do aluno e fazer com que ele reconheça que aquilo que está fazendo tem um porque e tem um direcionamento. Eu não vou pintar só por que eu me sinto bem pintando. Se for para se sentir bem, procure um spa, uma praia. A arte não é só isso, é para além disso. Nós nos sentimos bem fazendo arte, porque nós estamos nos questionando e questionando o mundo em nossa volta. Nós estamos crescendo por isso nós nos sentimos bem, não o oposto. Há! Eu me sinto bem por que eu estou pintando! As cores são boas! Há! Eu gosto da sensação de amassar o barro! Não é por aí. Eu acredito que o questionamento vai mais além, as coisas são mais profundas do que apenas o fazer artístico.



Foto: Silvio Feitosa
Técnica: Acrílica sobre tela; Título: Homem Vitruviano; Dimensão: 130X80 cm; Ano: 2011

P´Arte – Qual a importância das artes visuais na formação da cultura de um povo?


Ilson Moraes - Há dois paralelos que não podemos confundir: Um é a arte vinda de um processo natural e empírico, interno do homem, que observamos nas artes africanas, nas artes indígenas e em tantas outras artes que contam a história no mundo, que não tiveram uma escola propriamente. Outro é uma sociedade que pretende dizer o que é e como fazer arte. Esse é um processo perigoso, porque a arte se molda com a sociedade. A arte é a manifestação da sociedade. Quando nós temos uma arte mecânica, onde o artista pinta porque vende, ela passa a ser um produto puramente comercial, não é uma arte que está voltada para um processo mais interno, imbuído de subjetividades, um processo de questionamentos. Esse tema foi estudado por Lev Tolstói, filósofo russo que questionou sobre: “o que é arte?” Quando a minha arte vira um produto para indústria eu uso as minhas habilidades para atender uma demanda, ela deixa de ser um processo meu, eu estou executado o processo do outro. Eu desenvolvo uma camiseta ou um sapato, de acordo com as especificações de uma demanda, e daí, passo a produzi-los em série. Falar nisso é até um pouco perigoso, porque estamos vivenciando isso atualmente. É exatamente o que está ocorrendo com a arte no mundo, as coisas são fabricadas segundo uma demanda, até mesmo os animais estão sendo produzidos em série; os frangos crescem absurdamente, as vacas são alimentadas e suas características são manipuladas para atender ao consumo, é preciso atender a esse consumismo. A arte também está sendo engolida por esse processo, ela não para para pensar. São poucos os artistas que preferem não vender, não aparecer, não ganhar, porque dentro dele há outras motivações, outros compromissos. Ao contrário, existem outros que preferem vender, vender e vender, esses vão se moldando ao mercado, porque está dando certo e é isso que ele quer. Não recrimino ninguém que age dessa forma, só estou abrindo a reflexão. Muitas das vezes, é a sociedade que conduz a arte e não o contrario. Eu lamento que isso aconteça, porque no instante em que a arte se deixa conduzir pelo consumismo, ela é só mais um produto de consumo, não é arte. Temos que pensar nisso seriamente! O que é um produto artístico para consumo e o que é a arte propriamente dita.


P´Arte – Algum projeto para o futuro?


Ilson Moraes - Eu acho que as minhas realizações não são projetadas, elas acontecem. Como acabei de falar, eu tenho um grande envolvimento com o social e sou muito inquieto. Essa inquietude não está em um projeto, ela acontece, ela surge e mexe comigo. Os meus projetos acontecem em cima dessa sensação, do que se está incomodado, do que se quer mudar e do chamar a atenção para despertar no outro a necessidade de enxergar algo. Na verdade, funciono dessa maneira, eu não tenho a pretensão de mudar nada, o que se muda são as coisas internas, dentro da gente, o restante vai se moldando como deve ser.

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